Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo Engenheiro Agrônomo Vinícius Maggioni dos Santos relatou, de forma inédita, a contaminação do Arroio Dilúvio em Porto Alegre por metais potencialmente tóxicos, como zinco, chumbo, cromo, níquel e cobre. O trabalho surgiu no Programa de Pós-Graduação em Ciência do Solo da universidade (PPGCS) e fez parte do mestrado do Engenheiro.
O grupo já desenvolvia, a partir dos estudos do Eng. Ambiental e pesquisador Leonardo Capeleto de Andrade, pesquisas no Lago Guaíba. A dissertação “Caracterização dos sedimentos do Arroio Dilúvio e avaliação do potencial de fitorremediação por plantas espontâneas do sistema para a carga de elementos potencialmente tóxicos” surge como uma continuação da tese de Capeleto, que também contribuiu com a pesquisa, assim como o Eng. Agr. Tales Tiecher, coorientador de Vinícius e professor do PPGCS.
“Quando saíram os primeiros resultados do estudo, as pessoas começaram a dizer: ‘todo mundo já sabia que o dilúvio era poluído. Precisou de um estudo deste tamanho para entender isso?’ Bom, todo mundo já sabia que era poluído, mas poluído com o quê? O quão poluído? Onde começa essa poluição? A gente sabia que era contaminado com metais pesados, nitrogênio, fósforo, mas não tínhamos ideia de onde começava”, conta Capeleto.
Esta é a grande novidade da dissertação. Ao iniciar o processo de pesquisa, Vinícius dos Santos conta que buscou outros estudos sobre o tema e pouco encontrou. “Haviam alguns estudos da UFRGS sobre a vazão em eventos pluviométricos de alto volume de água, estudos de arquitetura para parques no dilúvio, outros sobre usar o material dragado para construção civil, mas nenhum de contaminantes nos sedimentos, nem por metais e nem por outras moléculas”, explicou.
Nas coletas previamente realizadas nas praias do Guaíba, os pesquisadores perceberam que um dos pontos com maior pico de metais era na foz do Arroio Dilúvio para o Guaíba. A partir disto, escolheram o arroio como objeto da pesquisa. “Decidimos fazer o projeto desde a nascente até a foz, que são quase 18 quilômetros. Coletamos na Barragem Lomba do Sabão e depois descemos o leito, quilômetro por quilômetro, coletando sedimentos para ver a contaminação de metais pesados”. A coleta dos sedimentos analisados foi feita com um pequeno dispositivo amarrado a uma corda, conhecido como draga Eckman.
Plantas: uma possível mitigação do problema
A segunda parte do estudo consistiu em analisar algumas das espécies de plantas mais abundantes no Arroio Dilúvio para saber se, por meio da fitorremediação, elas poderiam mitigar esta contaminação. “Quando eu me deslocava de bicicleta até o Campus Agronomia da UFRGS, eu via as plantas às margens do arroio. Meu orientador, Eng. Agr. Flávio Anastácio de Oliveira Camargo, lecionava a disciplina de fitorremediação e achamos interessante incluí-la na pesquisa”, conta Vinícius.
Os pesquisadores alertam que não é possível solucionar o problema com apenas uma técnica. “Vimos que os bancos de areia surgem no Dilúvio normalmente, porque a dragagem não acontece anualmente como deveria. Então nascem as plantas que têm potencial de absorção dos nutrientes do solo e dos sedimentos. No caso das plantas espontâneas, chegamos à conclusão de que elas podem ajudar”, diz o Eng. Vinícius.
O Eng. Capeleto reforça que outras plantas também podem ser estudadas, pois podem ser uma técnica de mitigação não só para metais pesados, mas para materiais orgânicos que elas tenham a capacidade de absorver. “Um estudo importante e multidisciplinar pode ser o de selecionar espécies ideais de plantas para essa fitorremediação. É um trabalho que pode contribuir para o fim de um problema que envolve muitas Engenharias, drenagem urbana, etc.”, acredita.
Os impactos da contaminação
Capeleto explica que o nome “bacia hidrográfica” não é em vão. Assim como no utensílio doméstico, tudo que entra na bacia hidrográfica fica por lá e impacta o recurso hídrico de alguma forma. Considerando que a região hidrográfica do Guaíba representa cerca de ⅓ do Estado e atinge praticamente a metade da população gaúcha, podemos ter uma noção do impacto ao longo da história. “Encontramos metais hoje que tiveram impacto na década de 1960 e ainda estão ali”, conta.
Um dos principais problemas é que os metais pesados não são biodegradáveis. Pelo contrário, eles acumulam os organismos da biota. Na cadeia alimentar, por exemplo, o peixe consome os metais do corpo hídrico e quem consome o peixe vai ser contaminado também – o que é grave, já que muitas doenças são causadas por esta contaminação.
Apesar de o objetivo da pesquisa não ter sido identificar o que leva esses elementos ao arroio, segundo Leonardo Capeleto, duas das causas da poluição são os esgotos e o trânsito constante que o acompanha. O Eng. Vinícius dos Santos destaca que a entrada de contaminantes é difusa e de difícil localização, mas que, conforme a pesquisa foi avançando na foz do arroio, mais contaminantes foram sendo encontrados.
Contrariamente ao que se pode pensar, a qualidade da água potável não é a principal atingida, pois os metais saem nas primeiras etapas de tratamento de água. O problema que tais impactos causam é muito mais complexo, conforme explica o Eng. Leonardo Capeleto: “A gente não pode enxergar nem o Guaíba nem o Dilúvio como se eles simplesmente servissem para fornecer água e embelezar. Eles têm um serviço ambiental gigante. Desde a água, o transporte e o alimento, pois há colônias de pescadores que dependem dele diretamente. Além disso, poderíamos aproveitar muito mais o Guaíba se não fosse o uso limitado pela poluição. O dilúvio também não leva só os efluentes, ele é um rio natural que faz parte da biota, por isso que projetos de descontaminação são tão importantes”.
Os pesquisadores ainda alertam para dois fatores: primeiro, a qualidade ambiental de Porto Alegre e a de vida das pessoas, que estão em jogo. Depois, essa contaminação indica prejuízos financeiros: “Se está aparecendo alguma coisa nos sedimentos dos rios, significa que aquilo está saindo das lavouras. Nenhum Agrônomo quer que seu nutriente seja perdido”, complementa.
Um problema multidisciplinar
A grande contribuição da Engenharia Agronômica para estudos como este do Arroio Dilúvio vem do conhecimento destes profissionais sobre a dinâmica de nutrientes no solo e no sedimento. “Nos últimos 20 anos, começamos a nos preocupar mais com o que acontece com os poluentes do meio rural que chegam nos cursos d’água, porque está tudo interligado”, conta Tales.
Esse movimento também aconteceu no grupo de Ciência do Solo da UFRGS, que, por muito tempo, focava apenas na parte rural e agrícola do meio ambiente, sem considerar os reflexos das atividades antrópicas nas bacias hidrográficas da região, por exemplo. A multidisciplinaridade no PPGCS foi impulsionada pela chegada de alunos que, como o Eng. Ambiental Leonardo Capeleto, são de áreas diferentes da Agronomia, tais como biologia, geologia, química entre outros, o que dá uma visão mais holística aos estudos desenvolvidos no PPGCS.
“O Arroio Dilúvio passa atrás do campus Agronomia da UFRGS, onde fica o nosso grupo de pesquisa e, às vezes, não percebemos que podemos estudar isso também. A dinâmica dos contaminantes em bacia rural ou urbana é a mesma, então nada nos impede de estudá-las.”
É a partir deste casamento entre as Engenharias e outras áreas que se situa o estudo “Caracterização dos sedimentos do Arroio Dilúvio e avaliação do potencial de fitorremediação por plantas espontâneas do sistema para a carga de elementos potencialmente tóxicos”. “Isso reforça a ideia da multidisciplinaridade e complementaridade que temos dentro das áreas”, disse o Eng. Agr. Tales Tiecher.
Apesar de otimistas, os pesquisadores consideram que ainda é possível ampliar essa multidisciplinaridade, pois qualquer objeto a ser estudado envolve áreas diversas. “A formação de base influencia em como enxergamos o problema, mas quando temos um problema e uma equipe multidisciplinar onde cada um tem o olhar diferente, as coisas começam a se complementar para um melhor entendimento do todo”, completa Tales.
Fonte: conselhoemrevista.inf.br